Escritor que foi sem-teto faz sarau poético com 9 homens em situação de rua na Bienal do Livro
14/06/2025
(Foto: Reprodução) Leo Motta lançou seu terceiro livro na noite desta sexta-feira (13). Escritor que foi sem-teto faz sarau poético com 9 homens em situação de rua na Bienal do Livro
Divulgação
O escritor Leo Motta, que viveu por seis meses nas ruas do Rio, lançou seu terceiro livro sobre o tema na noite desta sexta-feira (13) no estande da Secretaria Municipal de Educação do Rio na Bienal do Livro, evento que acontece no Riocentro, Zona Oeste do Rio.
Na ocasião, ele apresentou um sarau poético Marquises, formado por 9 homens que estão em situação de rua.
"Foi uma apresentação emocionante. Lancei minha trilogia literária: Há Vida Depois das Marquises - do Outro Lado da Rua. Foi um momento único e de inclusão na maior feira literária do Brasil", declara o autor.
Escritor que foi sem-teto faz sarau poético com 9 homens em situação de rua na Bienal do Livro
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A Bienal, que vai até o dia 22 de junho, celebra a nomeação da cidade como Capital Mundial do Livro, título concedido pela Unesco.
Com mais de 300 participantes e 200 horas de conteúdo, a Bienal do Rio aposta em um formato inédito no Brasil: o Book Park, um parque literário com atrações como roda-gigante temática, labirinto de histórias, escape room e a nova Praça Além da Página, espaço ao ar livre para encontros com autores, performances e experiências interativas.
Os ingressos custam R$ 42 (inteira) e R$ 21 (meia), e podem ser adquiridos pelo site oficial.
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Conheça a história do Leo
O escritor Leo Motta conta que chegou ao fundo do poço por causa da dependência química, mas se reergueu com a ajuda de um processo de reabilitação. Tem outros dois livros publicados e, atualmente, trabalha na Secretaria Municipal de Assistência Social do Rio de Janeiro e em um projeto social, ajudando a resgatar outras pessoas na mesma situação.
“A gente fica cabisbaixo, porque a pessoa te pede algo que é básico. As pessoas brigam para sobreviver. Isso mexe comigo porque eu vivi isso. E não é só fome física. Chegar ao ponto de esmolar é algo que mexe emocionalmente, você rompe uma barreira ali”, contou o escritor.
Com preocupação, ele observa o aumento da fome e diz que o cenário pode ser pior do que parece.
“É algo que não é fácil de resolver facilmente. Tem muita gente desesperada e que não tem coragem de se mostrar. Quem conhece a realidade sabe que o dado pode ser pior. Se colocar na posição de pedinte é muito difícil, machuca muito. Eu creio que o dado pode ser mais elevado”, afirmou Leo, com base nas observações diárias do problema.
Leo é criador do projeto “A rua é casa de muitos e não deveria ser de ninguém” e diz que a vida nas ruas é mais dura que se imagina. Ele usa a própria experiência para contar sobre a luta pela sobrevivência.
“Fui muito humilhado por sentir fome e por sede. Eu entrei em uma padaria em Copacabana e pedi para uma mulher pagar um pão. Ela se virou e cuspiu no meu rosto. A gente precisa da ajuda do próximo, mas às vezes o próximo não quer ajudar”, disse.
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Luta pela sobrevivência
Outro episódio pelo qual passou ficou gravado na memória de Leo.
“No verão, é difícil para quem está na rua. Eu entrei em um restaurante, pedi água e um segurança me deu um copo com água, gelo e sal. Eu me senti muito humilhado”, afirmou Leo.
Ele lembra a data exata que foi para as ruas: dia 2 de junho de 2016. Assim como lembra o dia em que deixou: 9 de janeiro de 2017. O escritor caiu de cabeça nas drogas aos 21 anos, após o assassinato do filho. O vício se agravou e ele decidiu se afastar da família.
“Fui parar na rua depois de uma overdose na frente da minha mãe. Decidi que, se era para sofrer, preferia sofrer sozinho”.
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Ajuda e internação
A saída surgiu quando ele recebeu ajuda e passou por uma internação para tratar a dependência química, em uma instituição na Zona Oeste do Rio.
Atualmente, Leo ocupa o cargo de assessor na Coordenadoria de População em Situação de Rua da Secretaria de Assistência Social do Rio. Ele tenta tirar das ruas outras pessoas. Segundo ele, muitos abordados estão nas ruas desde os tempos que ele deixou as calçadas.
“Eu ofereço abrigo para que as pessoas aceitem pois, quanto mais tempo passa na rua, pior é para sair. Hoje eu ofereço acolhimento, conto minhas histórias e muita gente ainda é da minha época”, ressaltou.
Leo Motta conta que a Covid aumentou a exclusão dos sem-teto no Rio de Janeiro
Leo Motta/ Arquivo pessoal
Trabalho se intensificou na pandemia
O trabalho de mudar a vida de outras pessoas na mesma situação que ele esteve começou em 2019, mas ganhou impacto durante a pandemia.
“Com a Covid, a exclusão aumentou. Eu cheguei a ter cem quentinhas nas mãos e uma fila de 300 pessoas. Eu consegui distribuir quase todos os dias. As pessoas se afastaram das ruas, mas muita gente foi solidária”, falou sobre a mobilização da sociedade.
A rotina de servir refeições diariamente durou de abril a novembro de 2020. Mas em 2021, a frequência das doações caiu. O grupo passou a se unir com outros movimentos sociais e passou a servir o café da manhã. Mais tarde, as ofertas minguaram ainda mais e o café da manhã foi servido em um evento maior, uma vez por mês. Rotina que mantém até hoje.
A vida fora das drogas e das ruas reservou surpresas: em 2019, ele conheceu o pai. No mesmo ano, nasceu a filha. Hoje, com 41 anos, pai de quatro filhos e noivo, Leo quer ajudar quem ainda está na situação que abandonou. E espera conseguir conscientizar sobre a necessidade de ajudar.
“Há vida depois da marquise, da fome e da miséria”, finalizou.