Mortes na Grande Jacarepaguá mais que dobraram com guerra entre tráfico e milícia; em 2 anos, houve 684 homicídios na região
05/02/2025
Reportagem especial do RJ2 mostrou os métodos violentos do Comando Vermelho na tomada do controle de 16 bairros da Zona Oeste do Rio. Áudios mostram métodos violentos da quadrilha que tomou bairros da Zona Oeste do Rio
A guerra entre traficantes e milicianos pelo domínio da Grande Jacarepaguá fez disparar o número de homicídios na região. As mortes violentas mais que dobraram entre 2022 e 2023, quando os confrontos se intensificaram.
Nesta terça-feira (4), o RJ2 mostrou os métodos violentos do Comando Vermelho na tomada do controle de 16 bairros da Zona Oeste do Rio de Janeiro.
Aquela parte da cidade teve, em 2022, 149 óbitos. No ano seguinte, 359 — um aumento de 140%. O patamar se manteve em 2024, com 325 mortos.
A polícia não tem como precisar quantas dessas 684 mortes na região foram em disputas, mas a maior parte veio de fato dos embates armados.
Também chama a atenção o encontro de cadáveres em que não foi possível identificar a causa da morte, pelo avançado estado de decomposição ou porque foram esquartejados — são mais de 20 ocorrências assim. Em outros 3 casos, os corpos foram jogados no Canal do Anil, decapitados.
Barbárie
Entre os vídeos e áudios obtidos pela polícia a que o RJ2 teve acesso com exclusividade, há gravações dos bandidos debatendo se vão retirar o coração de uma vítima que tinham acabado de assassinar ou se iam “picotar” o corpo – e fazer um vídeo enquanto mutilavam o cadáver.
Praça Seca, Taquara, Freguesia, Tanque, Anil e Gardênia Azul são alguns dos bairros que ou eram controlados por milicianos ou não estavam sob domínio de criminosos.
O material que o RJ2 teve acesso faz parte de um conjunto de quase 15 mil arquivos entre fotos, vídeos e mensagens obtidas pela Delegacia de Homicídios na investigação que apurou as mortes dos médicos em um quiosque na Barra da Tijuca, em 2023.
As informações ajudaram a polícia a identificar os autores de pelo menos outros 8 assassinatos cometidos na região.
Em um dos áudios, conversando com o traficante Juan Breno Malta Rodrigues, o BMW, um dos responsáveis pelo chamado Complexo de Jacarepaguá, um assassino argumenta:
“Nós não ‘tem’ tempo pra tirar o coração, não, BMW. Porque, tipo assim, nós tá no meio do mato aqui, os ‘cana’ tá se movimentando. Nós ‘vai’ picotar essa ***** toda, vai enterrar e vida que segue”.
"O vídeo 'nós' vai fazer cortando os 'pedaço'. Esse bagulho aí de coração, não sei nem como que tira isso", continua o criminoso.
As investigações mostram que BMW acompanhava os crimes que ordenou em tempo real. Depois, recebeu a resposta do comparsa: “Já foi concluído o trabalho já”.
A polícia também achou áudios que mostram que há vezes em que o próprio criminoso comete os assassinatos.
“Cara-crachá com ele. Vinha andando, a tia vinha passando na hora, já mandei a tia parar, quando a tia parou, ele me olhou. Quando ele me olhou, filhão… Já dei só na cara. Coloquei cinco, seis. Ele já ficou tipo em pé. Tipo côco vazando. Já fui, já completei e ele já caiu”, disse BMW em um áudio.
Em outras gravações, descreve como foi um ataque: “Traçante, fogo, granada, rajada”.
O terror na região começou no início de 2023, quando um miliciano que integrava a quadrilha de Rio das Pedras mudou de lado e se aliou a traficantes do Comando Vermelho. O controle da comunidade Gardênia Azul foi disputado durante meses.
O conflito foi se alastrando por cada bairro da região numa guerra sangrenta por território.
Expansão do Comando Vermelho na Zona Oeste
Reprodução/RJ2
Rotina de terror para os moradores
Enquanto os traficantes se vangloriam de ataques, moradores sofrem no dia a dia.
“O pessoal tá sangrando. Tá com medo. Toma casa, toma isso, toma aquilo, e não acontece nada. Nada, nada, nada, nada. Como é que pode?”, diz um morador da Zona Oeste.
“A Taquara tem imóveis que eram vendidos a R$ 1 milhão, R$ 1,2 milhão, R$ 1,5 milhão. Hoje, é R$ 400 mil e ninguém compra. Você está vendo pessoas se mudando, largando os bens, que construíram durante uma vida, pra trás. Um sonho de vida. Quantas vidas essa violência tá cortando?” questiona outro morador.
“Nesses dois anos tudo mudou para os moradores. Você vê muito roubo acontecendo, moradores sendo expulsos, lideranças aparecendo cada vez mais em Jacarepaguá, muito armamento ostentado nas áreas ocupadas - a consolidação dessa nova cultura em Jacarepaguá a cultura da violência do crime”, diz outro.
“Eles param veem a sua cara, se não te conhecer, ou se cismarem com a sua de falar alguma coisa, eles vão te enquadrar com fuzil, com pistola na sua cara", lamenta.
"Se eles olharem para você, você porventura olhar estranho automaticamente [ele diz]: 'Para, mé dá o telefone. Deixa eu olhar com você tá falando. Você é de onde?'' Se você morar em área de outra toda facção, muito muito difícil você não ser ali espancado ou até mesmo morto", diz um morador.
Parte dos crimes solucionados pela Delgacia de Homicídios a partir dos áudios obtidos são de pessoas que não tinham envolvimento com qualquer organização criminosa.
"Por vezes, as vítimas elas são apontadas por algum colaborador que não necessariamente faz parte do tráfico, mas tem alguma proximidade, alguma simpatia e aponta determinado morador ou prestador de serviço como informante, cobrador, que tem alguma ligação com a milícia, digamos, com os inimigos. Então, diante dessas informações, por vezes, eles capturam essa pessoa, passa por uma sessão de interrogatório, mandam desbloquear telefone", conta o delegado.
"Estando convencidos que de fato eles têm alguma relação com a milícia, eles são executados. Muita dessas vezes os corpos são ocultados, os corpos são enterrados, jogados na água. E muitas vezes. não chega nem a virar uma investigação oficial", acrescenta.